29.7.04

Galeano

Nos últimos anos tive a felicidade de conhecer a poesia do Eduardo Galeano, um  uruguaio genial que faz poesia mesmo quando faz prosa e que fala do homem e da miséria e do amor com uma capacidade rara de tocar quem lê.
 
Esses poemas que eu compartilho aqui são de um livro precioso dele chamado O livro dos abraços, que eu recomendo com veemeência e presenteio com freqüência. Lambuzem-se.
 
A Noite/1
Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras.
Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada na garganta. 
        
 
A Noite/2
Arranque-me, senhora, as roupas e as dúvidas. Dispa-me, dispa-me.

A Noite/3
Eu adormeço às margens de uma mulher: eu adormeço às margens de um abismo. 
 
                             
A Noite/4
Solto-me do abraço, saio às ruas.
No céu, já clareando, desenha-se, finita, a lua.
A lua tem duas noites de idade.
Eu, uma.


Quer mais Galeano? dê um pulo aqui.



25.7.04

da gaveta

Sópratedizerquesefomeéfomeemqualquerbarrigavariandosóemintensidade,
aminhaédasgrandesepedeprasersaciadainteira,
queaperitivonessahoraécruelquenemchuvacaindomiúdasemmatarasededeninguém(nemaminhanemasua)eeujácanseidequasequalquercoisa.
 
Querocoisainteira,escritacorrespondênciacarinhocuidadopoemamão.

E você, não?
 

22.7.04

primeiro poema infantil

 
Então tinha um moço torto cheio de idéias tortas.
 
E então uma moça curva cuspindo círculos pelas redondezas.
 
E então que as redondezas ficaram cada vez mais concêntricas
e então que um dia PUFT:
o moço torto deu de cara com a moça curva
e ficou de cara com a moça curva
e foi logo pensando:
“eu quero escorregar nessa montanha russa aí!”
 
A moça curva bem que gostava de gente torta e logo ficou encantadinha com aquele moço meio tortinho mas que mal via alguém fazia logo um ar de Corcunda de Notre Dame e com a boca bem retorcida suspirava “ai que saco!” pra multidão de gentes retas que passava sem parar.
 
O que o moço não sabia é que a tal moça da curva,
com sua boca lisa e seu jeito esticadinho,
também não gostava de nada reto não,
e na verdade já tinha bem um tempo que ela procurava um moço assim,
meio tortinho,
pra andar com ela por aí.
 
E então os dois deram-se os braços e o incrível PUFT:
aconteceu.
 
A torteza do moço foi esticando,
a curva da moça foi se acentuando,
e quando eles foram ver estavam tortos numa curva tão redondinha
que tinham encaixado de um encaixe tão maciinho
que a felicidade agora era fácil e certa
como se a estrada tivesse sempre sido essa
e a vida,
que ele nunca quiseram reta, tivesse sempre sido essa festa.


15.7.04

moça bonita


Essa é uma foto de uma noite batizada de Nós também, por exemplo, que foi o lançamento conjunto do meu livro, do cd do Rodrigo e do cd do Tonho: substantivo feminino, Canção pra ninar adulto, Ímpar. A idéia surgiu numa noite aqui em casa, quando eu reuní os amigos pra primeira audição do cd do Rodrigo, ou do meu, não me lembro mais. Sei é que o Tonho veio aqui, a gente teve essa idéia e ela vingou. Foram alguns meses de ensaios, aqui, na casa dos pais dele, nós  três e o Gus, que está aí à direita na foto. O Tonho é esse do meião, o do sorriso. Foi uma noite linda e a alegria maior ainda por ser compartilhada, nós quatro vivendo juntos aquele momento único ali no palco, os amigos todos misturados, os pais se dando parabéns.
 
Isso foi há pouco mais de um ano, 11 de junho de 2003. Agora, não temos mais Tonho por perto. O sorriso ficou, e a alegria, mas ele mesmo não mais. Os dias vão passando e a gente nem se dá conta de quanto tempo, quanto tempo que a gente passou querendo se ver e deixando pra amanhã, quanto tempo agora que ele ficou invisível.
 
Hoje ouvi o Geraldo Azevedo cantando Moça bonita, uma música que há muito tempo não ouvia, e que animava os forrós dos fins de noite dos saraus que a gente fazia, onde se cozinhou a minha poesia e se ouviu em primeira mão as canções lindas dele. E de repente a saudade veio imensa, e um poema saiu dela, e vem direto pra cá.
 
 
Morrer podia ser só um pouquinho
Podia ser um passeio
Uma viagem pela noite que acabasse no café
 
Morrer como uma aventura
Uma montanha
Andar a pé o deserto depois voltar
 
Como dançar de olho fechado
Se perder  num outro corpo

Como uísque bom, um sono inteiro, um prazer, um cheiro
 
Morrer podia até ser um castigo
Porta fechada com prazo de fim
Mas não esse buraco, esse abismo
Seu riso pra sempre perdido
Sua música soando em mim


12.7.04

poema

Diz a minha mais fiel leitora (que eu não vou fazer como o Xexéo e proclamar quantos são os meus poucos leitores), minha prima Mariana, que eu preciso colocar mais poemas no blog. Faz sentido, afinal é como poeta que eu criei esse espaço, pra supostamente me divulgar pra Mariana e pras outras centenas de pessoas que visitam esse blog com freqüência mas cuja privacidade eu não vou invadir citando os nomes delas aqui.

Assim sendo, pra todos vocês, respeitável público, mas principalmente pra Mariana, prima, leitora e recém amiga íntima, mais do que merecedora de uma dedicatória, um poema novo em primeira mão.

Pro inferno com o amor de tardes rasas
que dorme cedo e tem hora pra chegar
Pro inferno com o que é dúvida e se espalha
Feito ratos em bando pela estrada

Já chega de afiar faca na noite
E de aflições que vem de berço e não têm fim
Descanso é ar no peito e uma certeza
Não é mais hora de testar limite assim

Não quero mais o alívio que redime
E cuja origem é a mesma do terror
Os medos que carrego já me bastam
Eu sou na vida o antídoto pra dor

Pro inferno com essa festa de tristeza
Não cabe mais angústia no salão
Ação não é o antônimo de calma
E o que lateja, meu amor, nem sempre é bom

ps: nada pessoal...

7.7.04

palco


Palco é incrível: adoro. Cresci sendo chamada de exibida pelos meus primos e ficava irritadíssima, até que descobri que era mesmo, sou mesmo, só faltava encontrar o lugar certo pra exercer. Encontrei. E deixo aqui um poema que eu escrevi pra Playboy da Regiane Alves (cujo texto é todo meu) e que brinca com essa vida de palco.

Nada disso eu
Tudo isso meu
A moça aqui das palavras
Parece com a lá de casa
E os versos que ela escreveu
Diz que fui quem viveu

De máscara e fantasia
Canto o bom que nem não tenho
Choro as tristezas do mundo
Que bem podem ser as dela
Da moça que ali escreve
E que se não é o mundo
Tem um mundo dentro dela

Não importa ser eu ou ela
Não sei se é aqui ou na tela
Mas a moça que vos fala
Faz da arte seu dublê:
Inventa o que viveu
E imita o que escreveu

*a foto, linda, é do Pedro Secchin, fotógrafo oficial do Te vejo na Laura

1.7.04

nem tudo são flores 2

Tudo o que eu queria era um sistema inteligente de comentários, que estimulasse as pessoas a me dizerem que estiveram por aqui ao invés de afastá-las pra nunca mais. Com uma dica do Alan Sommer, músico e blogueiro, finalmente consegui! Podem ver embaixo de cada post que bacaninha, o sistema de comentários que abre uma janelinha pra vocês escreverem, simples e rápido.

Agora é que o título invade a cena. Cadê os meus antigos posts, tão bacanas e delicados? Esconderam-se. Ficaram com ciúmes e devem ter achado que esse espaço era pequeno demais pra todo mundo, então eu que fique com o meu "sistema inteligente de comentários". Explico: esse post é um pedido de socorro. Se você está lendo isso (dadas as circunstâncias nulas de propaganda desse blog) é porque você é meu amigo, ou pelo menos me conhece, e então eu posso pedir: você pode por favor escrever um comentariozinho, pode ser bem pequeninho, só pra eu saber que alguém me visita e me desdeprimir da perda dos antigos?

Muitíssimo obrigada.